Friday, May 18, 2007

Kafka

O extraordinário interesse (já à escala mundial!) pelo caso do desaparecimento da menina inglesa no Algarve, digo, Allgarve, merece bem o epíteto de fenómeno sociológico. ("Ao décimo quinto dia nem uma pista" - diz o jornalista, agorinha mesmo, na SIC, em directo e a abrir o noticiário!)
Que tem Madeleine que o Rui Pedro e os outros não têm?
Segundo Miguel Sousa Tavares: pais ricos e bonitos.
Gosto da explicação sarcástica do burguês mas não é verdade.
Trata-se antes de um mecanismo muito velho, fruto da organização social, e que permite transformar, incontrolavelmente e sem ninguém saber como, o tudo em nada, o mau no bom, o vulgar em milagre. Chamemos-lhe "confluência de circunstâncias". Favorável ou desfavorável; com total arbitrariedade. O totoloto que todos ansiamos. A desgraça que nos aterroriza. A remota possibilidade que nos esforçamos por deflagrar. A sorte desgraçada.
Por falar em milagre: identifique-se isso mesmo no que levou Fátima a prevalecer e milhares, sim, milhares, de outras aparições e milagres a serem ignoradas. O mesmo que leva grandes criminosos a safarem-se com ganho e que transforma pequenas patifarias em tragédias (como os expatriados portugueses dos EUA).
Vê-se muito em filmes mas geralmente associado ao efeito borboleta, a consequências imprevisíveis. Não é bem a mesma coisa mas é por aí.

Ou, mais simplesmente, a gota de água que nos permite a catarse das tragédias diárias que julgamos conseguir ignorar.
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