Nos telejornais, miséria, desemprego, escândalos, desespero e repressão.
O povo, onde eu chafurdo, repete como lengalenga muçulmânica, "isto está mau" e etc.
Olho para uma revista de hoje. "Crise"? "Desemprego"? Nada disso! Antes. "Excentricidades que só com muito dinheiro pode comprar"; "O que é para si um luxo?"; "Seis casas de milhões".
Na capa um cão com um colar de diamantes.
Abro.
Incitam-me a comprar Bleu de Chanel, para começar.
Viro a página.
Dizem-me que sem um relógio Breitling não ando a fazer boa figura. Pelos vistos não me chega viver rodeado de horas certas. Tenho de trazer horas agarradas ao corpo.
Viro.
Afinal vejo que é de um Longines, mais horas!, que necessito.
Viro.
Não! Preciso é de um Omega mas tem de ser da Edição Limitada que o resto é vulgar.
Viro a página.
Estou fora de moda: não tenho um televisor de 40 'duas linhas' no quarto de vestir. Em Portugal as medidas têm de ser em unidades SI. Queria não saber o que é 40''.
Viro.
Adivinharam: mais um relógio sem o qual não se consegue viver: IWC automatic. Um horror.
Viro.
Preciso de um fato da Decenio. Mas, pelo que posso ver no cartaz, depois de comprar o fato fico sem dinheiro para meias.
Viro.
Um BMW. Que prazer! Em "equipamento adicional" que a "viatura pode apresentar" poupo 4000 € (claro que escreveram com pontinho 4.000 que não é nada). 4000 euros! Em equipamento adicional. Merdices fixes, pois. Nove meses de trabalho para um pobre popular. Não quero saber mais.
Viro.
Jóias Pandora. Diamantes e safiras. Podem comprar-se pela Internet. Pandora.net. Vou pensar nisso.
Nada disto trás o preço. Obviamente fazem bem: quem compra não dá valor nenhum ao dinheiro pois nada lhe custa a ganhar.
Viro.Viro.
"Os que gritam contra o que se chama luxo são pobres de mau humor." Deve ser "não são apenas pobres mas pobres de mau humor". O Voltaire, que morreu como um cão sarnoso, tinha a sua piada.
Tenho razão: dizem-me "o preço não interessa nada" (o preço não é tudo). Eu também assim sou: o dinheiro sempre me caiu do céu e não me custa nada a gastar.
Adiante.
Mais um reloginho! Seiko. Foda-se!
Viro.
Outro Carro. A palavra "milhões" numa caixa. 18 milhões. 7,5 milhões. 8 milhões. Catixa!
Whisky.
Ainda outro relógio. Gant. Mas de que doença sofre esta gente?
Ainda outra página, são todos de páginas inteiras, com ainda outro relógio.
Creme. Máquina fotográfica. A primeira coisa que serve para algo!
Um Jeep. Para passear, obviamente.
Oh, meu Deus, outro relógio. Parmigiani. Se calhar é um queijo.
Falam em lingotes de ouro, quilos, 285 000 € (com o analfabeto pontinho).
Azeite. Farinha. Espera que estão a guardar o melhor para o fim.
"Mordomos vipes". Ora bolas. Nojo total.
Mais roupa. O logotipo é só o que se vê. A mim dá-me a sensação de que é roupa que se roubou num Hotel.
Mais uma merda de um reloginho. Cuervo y Sobrinos. relógios espanhóis? Ha ha ha ha!
Deito a revista fora enquanto estou de bom humor.
Recordo constantemente uma discussão adolescente com um conhecido que se dizia de direita.
Dizia ele que se estivesse a comer lagosta e um pobre salivante o estivesse a invejar da janela ele mandaria dar-lhe 50 cêntimos para um croissant e continuaria a comer descansado.
Concluímos, então, que a grande diferença entre esquerda e direita é que os que são de esquerda se importam com a simples existência de miseráveis.
Hoje a isso só tenho a acrescentar que também nos importamos com a simples existência de ladrões ricos. Eu, pelo menos, importo-me.
Vejo a revista descartada acolá. Na contracapa... um relógio!
Fo
da
-
se!
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