Pessoa é para ler enquanto jovem.
Depois faz mal.
"Tenho grandes estagnações. Não é que, como toda a
gente, esteja dias sobre dias para responder num postal à carta urgente que me escreveram. Não é que, como ninguém,
adie indefinidamente o fácil que me é útil, ou o útil que me é
agradável. Há mais sutileza na minha desinteligência comigo. Estagno na mesma alma. Dá-se em mim uma suspensão da
vontade, da emoção, do pensamento, e esta suspensão dura
magnos dias; só a vida vegetativa da alma — a palavra, o
gesto, o hábito — me exprimem eu para os outros, e, através deles, para mim.
Nesses períodos da sombra, sou incapaz de pensar, de
sentir, de querer. Não sei escrever mais que algarismos, ou
riscos. Não sinto, e a morte de quem amasse far-me-ia a
impressão de ter sido realizada numa língua estrangeira. Não
posso; é como se dormisse e os meus gestos, as minhas palavras, os meus atos certos, não fossem mais que uma respiração periférica, instinto rítmico de um organismo qualquer.
Assim se passam dias sobre dias, nem sei dizer quanto
da minha vida, se somasse, se não haveria passado assim."
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